Para refletir
sobre o conceito de interdisciplinaridade é aconselhável, antes, realizar
tentativas para definir o conceito de disciplina para, assim, posicioná-la (a
disciplina) em um campo cuja atuação se faz por meio de uma relação mútua, ou
seja, colocá-la logo após o prefixo “inter”.
O inter
precedido de disciplina, como ilustrado acima, está envolvido numa ordem
semântica, ou seja, é necessário elucidar que, pelas disposições das palavras
inter-disciplina, o prefixo alude à noção de que há um relacionamento mútuo
antes de qualquer conceito que lhe procede, assim, primeiramente, o inter é um convite ao pensamento extinto
de ruptura, visto que remete, necessariamente, à relação – caso contrário, a terminologia
teria como palavras dispostas o prefixo ou “mono-disciplina”,
ou “uni-disciplina” -; portanto, a partir
disso, trata-se de uma relação mútua a partir daquilo que lhe procede: a
disciplina. No entanto, vale ressaltar, adiantando alguns parágrafos, que esse
conceito, além de estar disposto em uma ordem semântica que remete à relação mútua
como um funcionamento sine qua non, também está numa ordem prática do fazer, ou
seja, o relacionamento mútuo tem de estar, primeiramente, em ação – inter -
para, então, a partir dele, haver a disciplina como movimento cuja interação mútua
foi estabelecida anteriormente. Há, então, um possível questionamento, tudo
aquilo que terá alguma forma de relacionamento mútuo posto em ação – o inter - resultará
em disciplina? Talvez, por isso, o aconselhamento introdutório, ou seja, a
tentativa de conceituar disciplina para clarificar que tipo de relação mútua está
sendo estabelecida para que se tenha, a partir dela, o movimento de ordem
disciplinar.
A disciplina, segundo o dicionário, é a submissão
às regras, às normas; é a regulamentação que garante a satisfação de indivíduos
ou instituições; é a boa conduta; é a matéria ensinada na escola, na faculdade;
é o modo de agir que demonstra constância, métodos; é a boa ordem, respeito; é
o ensino; é a autoridade; é a obediência à autoridade; é o estudo de um ramo do
saber humano; é a instrução, a educação. Assim, há diversas definições conceptuais
de disciplina nas quais remetem, em resumo, ao comportamento, ao ensino e ao submetimento
do sujeito. Assim, a disciplina parece estar envolvida com àquilo que concerne
ao enrijecimento, à limitação, à impossibilidade de abertura, ao cercamento, à
padronização de um modus operandi sem
opções de questioná-lo - caso contrário, há perigo de desordem, de desentendimento
– porque se evita qualquer ação que possa, quando modificada, levar à
incerteza, visto que esta pode resultar no caos. Além disso, disciplina possui
a mesma etimologia da palavra discípulo; no entanto, para ser discípulo, há a
necessidade de existir ou um mestre, ou um professor, ou um instrutor quem
transmitirá determinado conhecimento àquele que lho tem como modelo
identificatório – seu discípulo.
Assim, a relação discípulo-instrutor
estabelece uma aliança necessária de parceria para o desenvolvimento do
conhecimento, sendo o discípulo aquele quem possibilita, a partir de suas
vivências e experiências, à ampliação do campo do saber, auxiliando ativamente
nesse movimento de abertura (FAZENDA, 2002). No entanto, a dupla está inclusa
em um determinado contexto cuja influência pode determinar o modo pelo qual a
sua relação se estabelecerá; nesse caso, há uma “sombra falada” (AULAGNIER,
1979), ou seja, há um paradigma existente o qual institui normatizações e
padronizações as quais organizam e significam a disciplina de uma determinada
maneira a qual repercutirá no relacionamento discípulo-preceptor. Assim, dependendo
do modo de como for esse vínculo, o campo de abertura pode ora ampliar, ora
reduzir, ora estancar. Portanto, a disciplina, como um movimento de disciplinaridade,
é passível de transformação a partir do relacionamento da dupla
(discípulo-preceptor), do relacionamento desta com o seu contexto – e, também, de
como este com ela se relaciona – e da configuração tempo-espacial na qual esta
dinâmica de relacionamentos é-está sendo realizada. Então, o movimento disciplinar
é complexo, visto que está entremeado de diferentes fatores nele envolvidos os
quais têm uma relação de mútua dependência. Sua conceptualização a partir do
dicionário é ampla, envolvendo diferentes fatores cujos âmbitos também divergem
– visto que podem estar em diferentes instituições/organizações. Poderia,
então, haver mais um questionamento: teria a disciplina, então, um movimento
passível de abertura epistemológica, ou seja, teria ela um modo de se envolver
com objetos – seja para observá-los, seja para experiência-los, seja para
transfigurá-los a um “grau melhor de evolução" - aos quais ainda não lhe
pertencem e, assim, correr o risco de se modificar sem resultar em desordem, ou
seja, ir contra a si mesma – numa indisciplina?
Talvez seja
por isso que a disciplina, para alcançar maior desenvolvimento de seus
constructos, realizou uma disciplinaridade cujo movimento se dá por meio do inter, porque essa inter(ação)disciplinar propicia
relacionamentos os quais serão, primeiramente, colocados em prática no fazer
para, a partir disso, (re)observar, (re)significar, (re)analisar – questões estas
advindas da práxis – e, então, configurar ou as possibilidade, ou as
impossibilidades desse encontro relacional cuja metodologia foi posta em
prática; por isso, a prática precede a teoria.
O que tem
haver interdisciplinaridade com saúde? Na medida em que a contemporaneidade
trouxe a ampliação de diversas especialidades, é praticamente impossível atuar
sozinho em qualquer âmbito da saúde, visto que cada profissional terá, em
alguma medida, um limite o qual só será transposto no momento em que colocar em
prática a sua abertura com o outro, ou seja, estará colocando a sua disciplina
no campo do inter, assim, em parceria com as outras disciplinas desse campo
disciplinar – também estando abertas -, quando regidas em conjunto, irão
acionar a interdisciplinaridade, ou seja, cada discípulo cuja especialidade
representa estará num relacionamento mútuo possibilitando, na medida do possível,
menor limitação acerca da ação. No que tange à abertura ao outro, não é apenas
com a equipe profissional que o campo inter atua, pois o paciente também será
acolhido porque há um campo aberto a recebê-lo, sendo assim, este também é
considerado nessa atuação; portanto, ele é um sujeito que participa de maneira
interdisciplinar frente à sua saúde, por isso, a importância das práticas como
a educação em saúde, por exemplo.
Portanto, a contemporaneidade faz um convite à saúde atuar por meio de uma campo sistêmico cuja ação se dá por uma via de construção interdisciplinar, possibilitando, a partir dessa complexidade, a inovação nas ferramentas científicas da saúde.
Portanto, a contemporaneidade faz um convite à saúde atuar por meio de uma campo sistêmico cuja ação se dá por uma via de construção interdisciplinar, possibilitando, a partir dessa complexidade, a inovação nas ferramentas científicas da saúde.
AULAGNIER, Piera. Os destinos do prazer. Rio de Janeiro:
Imago.
FAZENDA, IVANI ARANTES. A construção interdisciplinar a
partir da relação professor/aluno. In: _____________________. Interdisciplinaridade: história, teoria
e pesquisa. 10.ed. São Paulo: APIRUS, 2002. p. 37-46.