segunda-feira, 24 de junho de 2019

Qual a relação entre o conceito de Dever e Boa Vontade e qual a diferença entre Imperativo Categórico e Hipotético na Fundamentação Metafísica dos Costumes de Kant?

Kant se ocupa com a Filosofia Pura na medida em que esta está embasada em princípios a priori advindos da razão pura; portanto, ela se diferencia da Filosofia Empírica, pois não se atém no âmbito das experiências contingentes. Dentre as três ciências existentes, a saber, Lógica, Física e Ética, as duas últimas não são formais, pois se ocupam com objetos que pertencem ao entendimento do homem. Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant se atem na parte racional da ética, segue-se disso que é preciso analisar a razão pura prática de modo a depurá-la de todas as contingências da experiência empírica. Portanto, é necessário nos voltarmos ao conhecimento a priori da razão pura com intuito de investigar os princípios práticos que nela se encontram para que, desse modo, seja possível fixar o princípio supremo da moral, isto é, um princípio que tenha total independência de qualquer coisa que seja dita de empirismo. A lei moral que é fundamentada por uma obrigação, para Kant, é de uma “necessidade absoluta” e, se ela é moralmente boa, então deve ser cumprida ‘por dever’ e não ‘conforme o dever’, pois este, na medida em que é contingente, é contrário ao princípio a priori da razão pura prática. Para estabelecer tal lei moral, que deve ser obedecida por um amor à lei, Kant precisa investigar a Vontade que é “determinada completamente por princípios a priori e sem quaisquer móbiles empíricos, e a que se poderia chamar uma vontade pura” (GMS, p. 17). Portanto, a razão prática pura, para Kant, é necessária para gerar uma Vontade Boa na medida em que esta é determinada por princípios a priori; conforme o filósofo, a natureza nos deu “a razão por governante da nossa vontade” (GMS, p. 24). Uma vez visto que a razão pura prática é necessária para a Boa Vontade, vamos, então, definir a Boa Vontade e de que maneira ela se relacionado com o Dever.
    A Boa Vontade é o princípio no qual faz com que algo seja necessariamente bom, pois ela opera de modo a prevenir que nossas qualidades se tornem más. Além disso, ela é considerada boa em si e não por causa dos efeitos que ela produz. Portanto, inclinações que são dadas por meio de uma condição outra que não a própria Boa Vontade, são restringidas por esta; e intenções que são de acordo com a própria Boa Vontade, isto é, que são incondicionais, necessitam dela. Para estabelecer esse princípio de que é necessário haver uma satisfação de acordo com a própria natureza da Boa Vontade, isto é, que as inclinações práticas devem ser restringidas por condições outras que não a da própria Boa Vontade em si mesma, Kant insere o conceito de Dever na medida em que ele “contém em si o de Boa Vontade” (GMS, p. 26). Ou seja, o dever contém o conceito de Boa Vontade que foi definido acima. Ora, na medida em que a Boa Vontade é estimada em si mesma e não tem intenção ulterior frente à alguma ação praticada, é necessário estar contido nela um Dever que é dado ‘Por Dever’ e não ‘Conforme o Dever’, pois as ações Por Dever não são feitas se esperando por seus efeitos, ou seja, ações destituídas de qualquer ‘intenção egoísta’, conforme Kant, são “ações praticadas não por inclinação, mas por dever” (GMS, p. 28), mesmo que elas venham a trazer prejuízos ao agente.
    Então, para agir de acordo com uma Vontade Absolutamente Boa é necessário realizar ações que são praticadas por dever cujo valor moral é embasado por um princípio formal, isto é, um princípio que é a priori; por isso, o uso da razão pura prática, quando envolvida no processo de ação moral, implica que ela seja “depurada” de elementos empíricos. Ações praticadas por dever, segundo Kant, possuem um conteúdo moral, pois o agente não tem interesse nos efeitos de sua ação, ou seja, toda ação praticada não com vistas a um efeito desejado, é uma ação feita Por Dever, logo, tem um valor moral.  Este, na medida em que não está relacionado aos efeitos desejados pela ação, depende tão somente do “Princípio da Vontade” motivado não pelo aspecto material (a posteriori), mas formal; por isso, no prefácio, Kant menciona que a Vontade não pode ser determinada por “móbiles empíricos”, ou seja, ela é boa em si não em função de seus efeitos, mas é boa em si mesma na medida em que ela se dá por meio da lei em si mesma. E, na medida em que a vontade para fazer uma ação se dá em vista de um princípio formal e não de um efeito esperado, então a ação se dá pelo dever, isto é, pela lei em si mesma.   
   
Ambos Imperativos ordenam a razão para que uma dada ação ocorra de modo a submeter a vontade a ações objetivas. Então, os dois imperativos são representações de princípios que são objetivos cujos mandamentos determinam a vontade que pode ou ser conforme a razão ou não uma vez que, conforme Kant, ela tem “constituição subjetiva”, logo, pode não ser determinada por nenhum dos tipos de ‘dever’ (‘conforme o dever’ ou ‘por dever’). Kant conclui “Por isso os imperativos são apenas fórmulas para exprimir a relação entre leis objetivas do querer em geral e a imperfeição subjetiva deste ou daquele ser racional, da vontade humana por exemplo” (GMS, p. 49). Nesse aspecto, os imperativos são semelhantes. A questão que é como identificamos se uma ação advém ou por meio de uma inclinação incondicional, isto é, pela representação da lei que determina a vontade de modo a não considerar os efeitos da ação (os “móbiles empíricos”), ou seja, uma ação ‘por dever’, ou por meio de uma inclinação condicional, isto é, pela determinação dos efeitos almejados que não condizem com a representação da lei em si mesma, ou seja, pela ação que é ‘conforme o dever’. A primeira ação que não é determinada pelos fins senão pela própria representação da lei em si mesma é categórica, por isso, ela não é motivada por nada empírico; a outra ação, que é determinada por um fim que não condiz com a lei em si, de modo que ela passa a ter meios para alcançar tal fim, é hipotética, por isso, é contingente. Tal distinção implica que podemos identificar dois tipos de imperativos, a saber, hipotético e categórico que são princípios para uma dada ação.
    O Imperativo Hipotético é baseado por princípio de contingência cujo mandamento que ordena a razão a agir resulta em uma vontade que não é a vontade em si mesma, pois o fim prático da ação alcança algo que difere do mandamento. Por exemplo, a pessoa tem um mandamento que ela segue que é ‘não mentir’; se embasado por um princípio contingente, a razão que a faz agir de acordo com essa máxima visa, como efeito, não o ‘não mentir’ em si, mas ter reputação frente a um dado grupo no qual ela pertence. Então, o imperativo hipotético é derivado dos fins que a pessoa almeja alcançar; então, seu mandando ‘não mentir’ é uma hipótese cuja ação é um meio para obter a boa reputação. A intenção da pessoa, portanto, é condicionada por um fim; por isso, na seção 1, Kant refere que esta intenção condicionada não é por dever, pois ela é motivada por interesse egoísta do agente. Ela não mente, mas esta ação é visando um interesse no qual espera ocorrer. Logo, 1) o resultado (nesse caso, ter boa reputação) não é determinado por si mesmo, 2) ele difere do mandamento e 3) o resultado que a pessoa visa alcançar não ocorre necessariamente, pois mesmo cumprindo com seu mandamento, pode não ter a reputação que almeja; por isso, seu caráter contingente. No Imperativo Hipotético, há o Imperativo de Destreza cujo fim é neutro, isto é, não é nem bom e nem mau e o Imperativo da Prudência cujo fim é a felicidade, mas as ações ocorrem por meios que divergem do fim em si. O problema da felicidade é que ela depende de experiências empíricas uma vez que seu conceito é muito subjetivo.
Já o Imperativo Categórico (Imperativo da Moralidade), por sua vez, tem ação que cujo fim não difere do mandamento, logo, a ação é de acordo com o próprio princípio que a ordena, pois ela visa cumprir com o mandamento em si; por isso, a intenção do agente é sem outra condição senão tão somente cumprir com a lei em si, logo, é ‘por dever’. Kant frisa que “ações praticadas não por inclinação, mas por dever” exclui o objeto da vontade, ou seja, o agente é determinado não por fim outro senão pela própria representação da lei em si. Por exemplo, uma pessoa que tem como máxima ‘não mentir’, uma vez que este é o mandamento, sua ação terá como fim a própria máxima, isto é, não mentir visando cumprir com o ato de não mentir e não de modo a estar inclinada a ganhar reputação. Por isso, a pessoa segue o mandamento mesmo que para isso tenha que renunciar a sua própria inclinação, pois uma vez que o mandamento é buscado a priori e não por outro móbil, o princípio de representação da lei ordena a vontade não se opor ao mandamento, ou seja, ela não tem escolha senão em obedecer a lei em si. Tal cálculo feito que impulsiona a vontade para ação é feito pela razão por meio de proposição sintética-prática a priori para averiguar se a máxima do agente é passível de contradição e se pode ser aplicada como lei universal. Desse modo, a vontade não tem como se opor ao próprio mandamento uma vez que a razão não pode se contradizer.
     
   
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